Desde que me assumi como autor, em 2013, na assinatura do meu primeiro contrato de edição, fui sempre sofrendo com perguntas do género: será que sou mesmo autor? Escrever um livro, ou séries ou mini-histórias faz de mim um escritor? Ou será que para o ser tenho de saber sempre o que vou escrever? Ou que tenho de saber o que dizer em eventos especiais? Ou, ainda mais: que não poderei dar erros?
É com base nessa ideia que vos escrevo hoje. Sei que provavelmente iriam esperar nesta rubrica só coisas mais práticas e técnicas como vos dei em publicações passadas. Mas fiquem a saber, a reflexão é também importante e sobre isto não consigo deixar de pensar.
Das perguntas que mais me fazem, ou melhor, das afirmações que mais me fazem é: devias ser bué bom a português. Em parte isto surpreende-me sempre, mas a questão é tão mais complexa do que “ser bom a português” que tive de desabafar sobre o assunto. Mostrar que não é por eu escrever ou até ter um blog, faz de mim um bom escritor ou alguém que conhece a gramática de trás para a frente e frente para trás. Que não cometo erros grosseiros, parvos ou, o mais frequente: comer letras ou palavras.
Apetites à parte, tenho de primeiro pedir-vos desculpa. Desculpem-me sempre que cometo um erro. Sempre que uma palavra ou letra sai trocada ou omissa. A questão é a seguinte: eu escrevo algo, releio. Deixo passar umas horas e volto a ler. Se detetar um erro, corrijo logo. Se não a publicação ou manuscrito segue o seu caminho. Acontece que ao fim de minutos, ou horas, a olhar para um ecrã e para um texto cujo significado é conhecido por nós, deixamos de o ver. De o ver realmente, percebem? Eu sei que é fácil cairmos no erro de julgar alguém que comete uma gralha, mas em muitos dos casos há muito que não se vê.
Com isto, é certo, que nos meus testes de português cometia erros. Bastantes. As minhas composições eram sempre o melhor, aliado à compreensão do vocabulário dos textos ao longo dos anos. Mas o que foi acontecendo foi: eu tinha más notas porque, a certa altura, me esqueci o que era escrever um português correto para aquele que era o meu estilo literário. A minha identidade na escrita. E isto, como devem saber, implica o brincar com a pontuação, palavras, elementos gramáticas e de sintaxe que não existem nas nossas regras. Só consegui ter boas notas após repetir o Exame Nacional e me ter dedicado a saber diferenciar. Um bocadinho como o faço no blog: o de separar a escrita literária daquela que aqui uso.
Por isso, aquilo que quero saber nesta publicação é: será que os autores podem cometer erros? Será que podemos driblar as regras gramaticais? Será que as próprias editoras, quando recebem os nossos manuscritos, têm a consciência que por vezes a nossa escrita, por menos certa que seja, é igualmente correta? Ou, por outro lado, acham que isto diz respeito somente à linguagem e vocabulário usado, como os populismos?
Estou ansioso por saber o que acham disto e para saber se, por se ser escritor, é sinónimo de se dominar a língua e “dar o exemplo”.
Para ajudar, deixo-vos este artigo da revista Sábado: Quando os escritores dão erros de português
Mais que autores somos pessoas e não máquinas, por isso erramos. Quantos grandes autores não dão erros? Já li livros de tantos com erros.
Infelizmente julgam muito as pessoas pelos erros.
Beijinhos!
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Foi precisamente pela última afirmação que fizeste que me levou a pensar logo nesta publicação. Esperemos que o mundo aprenda a julgar menos!
Beijinhos 🙂
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Sem dúvida! Aliás também na blogosfera se vêem erros. O á em vez do há é muito comum. Beijinhos.
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Sim, esses são dos mais comuns. E em parte, quando cometo qualquer erro, até gosto de o fazer. Faz-me questionar!
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Um dos pontos mais sensíveis, creio eu, desta demanda é a resposta a essas perguntas tão difíceis:
– sou eu autor(a)?
– O que faz de mim autor(a)?
– Se não sou autor(a), o que sou eu, afinal?
Costumo dizer frequentemente que as únicas regras que sigo, quando escrevo, são as gramaticais. Peco por excesso, talvez seja uma verdade, mas também é verdade que se nos regemos por um código comum ajustado ao longo dos séculos para estabelecermos comunicação escrita – diferente da comunicação oral que, por si só, tem o seu próprio alfabeto e as suas características.
A escrita é diferente da oralidade. Quando entramos na escola, todos nós dominamos o património oral e não precisamos de educação formal (escolarização) para adquirir a linguagem. No entanto, a escrita, por ser um processo codificado que exige a capacidade de ler grafemas (símbolos que representam sons) e compreender o seu significado em diferentes construções com outros grafemas mais complexos, palavras complexas inseridas dentro de diferentes orações também complexas, necessita obrigatoriamente de ser ensinada. Lamento se isto fere almas e se desaponta o mais leigo dos professores, educadores, escritores e por aí fora. Vários autores, ao longo dos anos, não só em Portugal (Inês Duarte, Inês Sim-Sim, Luís Barreto, Emília Amor entre muitos outros), mas também lá fora (Bereiter e Scardamalia, Joliber, Schneuwly e Dolz) têm-se dedicado ao estudo da ESCRITA como um processo mental. Academicamente, a escrita é uma “disciplina de estudo”, uma das áreas que deve ser aprendida dentro de uma língua.
As línguas apresentam quatro áreas fundamentais que se ensinam: leitura (compreensão); oralidade (compreensão e produção); gramática e escrita. Uma quinta, se quiseres, é a educação literária/literatura. Então, posto isto, para além da gramática (regras de pontuação, sintaxe, orações, relações semânticas entre palavras, entre outros), aprender a escrever também deve ser trabalhado. Como? Compreendendo como se regula cada um dos tipos de texto (expositivo, narrativo, argumentativo…) e escrevendo, exercitando o conhecimento.
Este grande testamento para explicar que uma coisa é falar de escrita e outra é falar de gramática. É importante que nós, enquanto aspirantes a autores, consigamos compreender em que dimensões nos movemos. E, tão importante como distinguir gramática e escrita, é saber que estas duas áreas andam juntas. Tal como, dentro da gramática, por mais que tentemos isolar para falar sobre subclasses de verbos, jamais o conseguimos fazer sem falarmos de funções sintáticas. A língua é um grande organismo vivo e muito mais complexo do que parece. Compreender tudo isto é ter consciência da nossa própria língua e saber que podemos brincar com algo que conhecemos de verdade – um escritor que não conhece a sua língua tem mais dificuldade em usá-la e explorá-la em todas as suas dimensões.
Eu sou muito rigorosa comigo própria em todas estas questões, porque levo a escrita muito a sério, mas também devo reconhecer que a minuciosidade que coloco no que escrevo é fruto do enorme medo de falhar. E falho todos os dias. Sei disso quando vou reler e percebo que repeti duas vezes o verbo “disse” num diálogo, que falta uma palavra para dar coesão à frase, que em algum ponto perdi o meu fio narrativo. Falho todos os dias, mas também volto todos os dias atrás para corrigir os meus erros. E acredito que vou falhar ainda mais, mas faz parte. Nós não estamos a trabalhar para sermos perfeitos enquanto pessoas, estamos a trabalhar para tornar os nossos pensamentos em histórias fortes e que contagiem quem as vai ler. Portanto, errar todos os dias é aprender todos os dias. O importante é fazê-lo insistentemente, porque escrever não é como andar de bicicleta, escrever é mais como pensar: se não pensarmos todos os dias, tornamo-nos mais lentos e bem longe de entender a complexidade da vida.
Quanto à tua última frase:
Deus me livre de dar o exemplo a alguém!
Eu não escrevo para dar o exemplo, muito menos para convencer alguém sobre as minhas ideias…. isso é trabalho do leitor. Aquilo que inferem do que escrevo depende de cada um e da sua bagagem anterior. Pouco ou nada do que eu possa deixar transparecer. A leitura é um processo que depende do leitor. A escrita é um processo que depende do leitor. Se também andam juntas? Andam, mas não deixam de ser processos distintos, processos mentais para os quais somos “treinados” durante doze anos do ensino formal.
No fim de contas, escrever bem é uma técnica que se conquista com o tempo e vai muito para além de saber regras gramaticais, se fossem só as regras gramaticais que fizessem de nós escritores, provavelmente eu não escreveria, porque a gramática é repetitiva, constante e pragmática, algo que eu não procuro na escrita, decididamente.
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Um comentário belo e rico! Obrigado pela partilha e por teres igualmente acrescentado algo à discussão. Sem dúvida que se nos regêssemos somente pelas normas e regras da Língua, não seríamos escritores. Afinal, escritor é muito mais que isso… Obrigado, beijinhos!
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Correção: A escrita é um processo que depende do *escritor.
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Parabéns pela excelente reflexão.
Eu escrevo desde pequena, tendo publicado o meu primeiro livro em Maio de 2018 (literatura infantil). Mesmo tendo publicado, posso admitir que só recentemente reconheci que sou escritora. Isto porque passei grande parte do tempo, a comparar-me com outros escritores. Dessa forma achava que seria ousado considerar-me escritora, com tanto ainda para aprender.
Após uma grande reflexão, conclui que estava totalmente errada. Eu sou escritora desde que deixei o meu pensamento e alma, falarem pelas minhas palavras. Não tenho que me comparar com nenhum outro escritor. Apenas devo cultivar a imaginação e a vontade de crescer.
Escrever é um processo tão pessoal e particular. Cada escritor tem o seu traço e a sua forma de exprimir o pensamento.
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Muito obrigado pela leitura, comentário e palavras. Realmente é um tema que pode dar imensas horas de discussão. Mas penso que é sempre legítimo termos medo da nossa escrita. Não só por ser algo muito nosso, como pela confiança que podemos, ou não, ter. É um desafio e mesmo que ainda hoje ao escrever livros tenha às vezes problemas, estou como tu. Temos de aceitar quem somos, o nosso estilo, e ficar confortáveis com ele ao ponto de o elevarmos não por querermos copiar outros, mas por nós mesmos.
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