Este é, talvez, um tema sensível. Um tema em que me tenho debruçado à medida que me vou apercebendo de certas questões que acontecem no nosso mercado. A verdade é que ler parece que se tornou um luxo para os livros traduzidos. Os preços dos livros são caríssimos. É certo que já não estamos no tempo em que todos os livros eram taxados aos 19€ e os mais conhecidos a passar os 22€. Surgiram novas faixas de preço e que, em muitos livros, parecem condizer com o número de páginas. Porém, tenho-me deparado como em muitos casos, ler é difícil. E vou começar pelos eBooks.
Vendidos 11,8 milhões de livros em Portugal Comercializadas menos 120 mil unidades em 2017. Mas mercado gerou mais dinheiro.*
(*) – Retirado de CM. Link da notícia no final do post.
Há anos que se falam dos eBooks, e há anos que existem dispositivos próprios para a leitura de livros neste formato. Porém, qual a minha surpresa, quando me deparo com eBooks com preços praticamente iguais aos seus gémeos físicos? Foi muito grande. Eram diferenças de dois a três euros. E a pergunta surge: como é que isto é possível? Como é que algo que não está impresso, e que dispensou de parte dos custos do livro físico, pode ter um preço tão elevado? Porque é que não acontece como no mercado americano ou inglês? Bem… verdade seja dita, a resposta está no nosso mercado e no livro físico.
Sabemos que o mercado literário em Portugal é pequeno. Talvez pudesse ser maior, mas é o que temos. Quando temos poucas pessoas a ler, torna-se esperado que o preço de um livro suba. Mas aqui reside algo fundamental: quando compramos um livro, não pagamos somente pela obra. Pagamentos pela tradução, pela impressão, direitos e respetivo lucro. Mas agora surge o dilema: se um livro não impresso tem praticamente o mesmo custo que um impresso, porque não vemos uma diferença de preço? Bem, a minha teoria é que muitas editoras em Portugal utilizam o eBook como forma de ajudar a pagar a versão em papel. Porquê? Porque em Portugal um livo vende milhares, não milhões.
Acredito que os hábitos de leitura são incutidos desde pequenos. Gosto de pensar que se o Plano Nacional de Leitura fosse usado no seu potencial, poderíamos ter jovens mais interessados em ler do que ficar traumatizados com os livros clássicos dados em sala de aula de modo enfadonho, com o recurso ao decorar e não do que ao gosto por ler e pela história. Também não estou aqui a dizer que deveríamos todos de ler em eBook, ou só em livro físico para ajudar o mercado a crescer. Estou a querer refletir com vocês, e que é o facto de continuarmos a consumir literatura como estamos, que estagnou o nosso mercado. É por isso que acho que ler se tornou um luxo. Nem que não seja monetário, mas de língua. Quem domina ou percebe de inglês poderá muito bem comprar um livro original ao invés de um traduzido. Fica mais em conta. O mesmo comprar em eBook, já que, por exemplo, Verity me custou 4€ e o livro físico era a 13€. É obvio que quem ama ler, irá arranjar sempre forma de ler, mas e quem não tem essa paixão? Quem apenas gosta e até gostava de ler, por exemplo, a Guerra dos Tronos, porque é popular, mas se depara com volumes divididos em dois em Portugal e com um preço médio de 18€ por volume?
Game of Thrones – Preço da Coleção “Completa”: 57,55€
Guerra dos Tronos – Preço da Coleção “Completa”: 190,03€
Harry Potter – Coleção Completa em Inglês: 70,31€
Harry Potter – Coleção Completa em Português: 132,61€
Na Guerra dos Tronos, é estarmos a pagar em Portugal mais 13,25€ ao valor original por livro, já ao Harry Potter um valor de 8,9€. Talvez este último mais baixo fruto da popularidade mundial e culto em redor do mesmo – já para não falar das diferentes edições.
O mercado português é pequeno. As iniciativas à leitura, terríveis. E a evolução tecnológica parece como que parada e incapaz de romper com este paradigma. Nem o IVA a 6% parece justificar a minha opinião: ler parece ser cada vez mais para quem pode. Já não uma questão de tempo, mas uma questão de ter de se amar para entrar numa livraria e comprar um livro. Obviamente que não estou a dizer que quem lê é rico, não é essa a questão. A questão é que ler parece ser exclusivo de quem ama, não permitindo os que gostavam de tentar. E isto é triste. E preocupante. Mas muito, muito triste.
O Guardião Invisível: 17,76€ (Português)
O Guardião Invisível: a 10,14€ e 18,86€ (Espanhol)
Ler em eBook prende-se também por razões de acessibilidade, e não somente de poupança ou de espaço, e nem todos os livros estão disponíveis em formato digital, daí a importância de vos ter dado valores para livros em formato físico para estabelecer a barreira. E nessa barreira, demonstrar como a diferença de valor é ainda abismal. Penso que até alimenta mais a discussão, para agora vos mostrar isto:
Título | PT | ORIGINAL | eBook* |
It – A Coisa – Volume 1 | 22,20€ | 13,63€ (livro completo) | 14,99€ |
O Presidente Desapareceu | 17,70€ | 17,35€ | 9,99€ |
Dois Guardam um Segredo | 18,90€ | 13,63€ | 13,99€ |
Os altos e baixos do meu coração | 15,50€ | 9,91€ | 9,99€ |
(*) – Preço da versão do eBook em PT-PT.
Deixei-vos muito dado, e muito em que pensar. Especialmente esta última tabela, em que tanto temos livros em que a diferença parece ser justa, já outros desproporcional (sim, Bertrand, estou a olhar para o “teu” It. Mas o que pensam vocês? Como olham para o nosso mercado de literatura traduzida? Se as editoras quisessem poupar trocos, porque não investir no nacional?
Em 2017 foram comercializadas em Portugal cerca de 11,8 milhões de unidades (menos de um milhão de exemplares por mês), o que representa um recuo de 1% (120 mil unidades) quando em comparação com 2016, ano em que se venderam 11,9 milhões de livros. Os dados refletem uma cobertura estimada de 80% das vendas do mercado de livros não escolares.
Ler mais em: https://www.cmjornal.pt/cultura/detalhe/vendidos-118-milhoes-de-livros-em-portugal
2 thoughts on “Será que ler se tornou um luxo?”