Foi a dezembro de 2017, quase um semestre passado desde o início do mestrado, que foi apresentado à minha turma a possibilidade de ir ao Brasil, a Juiz de Fora, para um intercambio. A excitação foi muita, especialmente pela oportunidade única que envolvia assistir a algumas aulas, debates, realizar uma conferência, e de ficarmos a dormir em casa de professores. Foi uma experiência tão marcante, que falar-vos dela aqui é impossível. Prevejo uma publicação longa, mas vocês bem sabem que não coloco entraves a algo que é contado de forma natural. Especialmente com umas fotografias à mistura.
O que é certo é que o nosso grupo de cinco elementos, eu sendo o único rapaz, estávamos desejosos em janeiro, que abril chegasse. A preparação era enorme, já que tínhamos de realizar uma apresentação de algumas Políticas Sociais portuguesas na Universidade de Juiz de Fora. Aliado a este fator, está a questão das doenças e vacinação que a Consulta do Viajante nos adorou amedrontar. O que é certo é que nos apercebemos em quão seguros estamos na Europa, já que no Brasil ninguém bebe sequer água da torneira. Assustador, não é? O mesmo para os diversos mosquitos e que nos fazem ter de aplicar um repelente duas vezes ao dia. Picadas à parte, lá fomos nós animados para uma viagem de mais de oito horas, especialmente por haver escalas – quer na ida, quer vinda.
Nunca irei esquecer aquele bafo quente ao sair do avião e entrar no Rio de Janeiro, nem da viagem até Juiz de Fora, onde na estrada vimos logo uma perseguição policial. Comitiva de boas-vindas a condizer, lá ficámos divididos em casas de três professores e apreciámos o quão atenciosos são. Mas não só eles, mas toda a população brasileira. A simpatia, o calor, a energia, era contagiosa. Dava-nos segurança para a semana lá passada. Uma passada quer em loja de Havaianas (custavam metade do que cá) – vários dias e horas -, quer a desfrutar de deliciosas refeições. Meu Deus, nem vos consigo dizer o quão fã fiquei de Mamão ou de Pão de Queijo. Algo que nunca me esquecerei foi como ao encomendarmos pizza de uma pizzaria, elas tinham ainda de ir ao forno.
Também conseguimos passar o equivalente a um dia na cidade sozinhos. Andámos pelo mercado e fizemos amizade com uma nómada, que tão amavelmente nos aturou por horas. Mas afinal o que fazia ela? Andava por todo o Brasil com a sua filha, e escrevia nomes em grãos de arroz. Gostou tanto de nós que até ofereceu a cada um uma pulseira ao nosso gosto. Mas sabem do que não esqueço mesmo? Da aventura e da algazarra que fizemos ao andar num autocarro em hora de ponta. Completamente cheio de gente e com o tipico português a falar aos altos berros. Algo engraçado é que temos o motorista e depois uma pessoa, a meio do autocarro, que recebe o valor do bilhete e deixa ou não as pessoas passarem para sair do autocarro. E tudo isto controlado por câmaras de segurança. Pena mesmo foi esta mesma pessoa não nos ter deixado voltar a subir para o autocarro após nos termos enganado por uma paragem. É uma vergonha, não é?
Já que falei da cidade, a vista panorâmica foi fantástica, assim como a vida animal que circunda a mesma. Provei água de coco – doce como tudo -, e experimentei entre goles do clima quente e húmido.
A universidade de Juiz de Fora é também gigantesca, e impossível de comparar com qualquer estrutura educativa que tenhamos. Em especial a dedicada ao desporto. São diversos os pavilhões, piscinas e campos para praticar todos os desportos. Algo completamente impensável de existir em Portugal, quando os pavilhões que as escolas têm nem condições têm…
No que toca à comunidade escolar, ficámos todos surpreendidos. Em primeiro lugar, o ensino superior é gratuito para quem tem boas notas. E não obstante isto, a forma como os alunos se envolvem em movimentos estudantis sociais, de debate e críticos, é abismal. Fizemos muitas comparações com Portugal e aos nossos estudantes, que só se preocupam quase que em exclusivo a festas e tentar passar ao semestre. As festas lá são bem existentes, mas durante o dia vemos alunos que convivem e saem à noite com professores, que debatem, trocam experiências, e por aí em diante. Um ensino sem dúvida inspirador, e impossível de comparar à rigidez do português – mais que documentado que não dá resultados.
A nível social foram notórias as diferenças existentes, especialmente no que toca aos cuidados de saúde. A verdade é que passámos por um Centro de Saúde bastante envelhecido, sem condições, com pacientes a esperar na rua movimentada da cidade, visivelmente doentes. Ainda resultante deste contacto, foi o contacto com uma instituição de acolhimento de menores, capaz de fazer a TVI realizar uma série de reportagens chocantes. As paredes de cimento não conseguiam aproximar-se sequer do exigido cá em Portugal, com mobília envelhecida e sem condições para que estes jovens desfrutassem de uma vida o mais digna possível. O contraste está aqui nos profissionais, empenhados em fazer muito com pouco, algo que em Portugal não se vê. Não só por o Assistente Social ser um profissional mal visto, como pelo comodismo e/ou excesso de trabalho e burocracia que impede o trabalho de terreno.
As paisagens foram sempre capazes de nos deslumbrar, juntamente com os nossos colegas universitários que nos mostravam a cidade e contavam alguns dos seus eventos. Porém, a visita que mais nos tirou o fôlego foi a um acampamento onde antigamente tinham trabalhado os escravos na produção de café. Foi um momento tocante, em que imaginar o que quer que lá se tenha passado, era impossível. Neste acampamento encontramos famílias que escolhem viver daquelas terras, completamente afastados da cidade. Vivem a sua vida, com as suas regras e sem os preconceitos que chocariam muitas pessoas. Em especial das crianças, que corriam livremente a brincar com animais, por meio de vegetação alta, cheia de insetos capazes de provocar a morte – como umas belas aranhas que vimos. Brincam com tudo, e o crescimento dá-se ali. Aliado a isto, está uma inteligência notória, quer em comunicação, quer em expressão.
Tivemos também tempo para experimentar uns passos de samba, o que se revelou como chave de ouro no término desta viagem de uma semana. As memórias serão para sempre únicas e presentes. É impossível de esquecer a garra daqueles profissionais e sociedade que luta para que o país não se desabe. Confesso que senti saudades do meu país quase que diariamente. O próprio acesso à internet que tínhamos era tão condicionado, que comunicar com os familiares era complicado. Ainda tentámos ir ao Rio de Janeiro, mas face a um clima de insegurança tão grande, foi posto de lado ao fim de uns dias.
Acredito imenso que o Brasil tinha, e tem, tudo para ser um dos países mais desenvolvidos do mundo. Consigo ver facilmente uma vida feita do turismo e elementos paisagísticos, porém, com a criminalidade e políticas duvidosas, é com ardor que vejo o caminho que percorre. Quem sabe um dia não ganhe vontade para lá voltar?
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