Foi a 25 de outubro que caiu o Carmo e a Trindade. A notícia, que quero acreditar ter um cunho de provocar a reflexão do mercado editorial, pergunta-se onde estão os novos ficcionistas portugueses.

Num texto longo, com uma extensão cheia de falta de noção e de depoimentos, a minha raiva foi crescendo. Andei tão mal no resto desse dia que uma coisa era certa: eu não me podia calar. Eu tinha de falar desse artigo aqui. Afinal de contas, se estou sempre à procura de novas maneiras de ajudar autores a promoverem-se, como é que um artigo assim não mexeria comigo? Estaria a ser hipócrita da minha parte, mas eu tinha de pensar no que ele diz.

Renovação ou mentes fechadas?

Os escritores com menos de 35 anos são cada vez mais uma raridade no panorama literário português. A maturidade tardia e a má qualidade do ensino são algumas das razões que justificam o fenómeno. Estará a renovação literária em risco?

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É com este preâmbulo que o artigo começa. E OK!: o nosso sistema de ensino está uma autêntica porcaria. O sistema Escola não quer saber das individualidades de cada um e somente com o programa. Eu próprio, há mais de dez anos e quando andei na primária, tive uma professora que me riscou duas páginas de uma história que eu tinha achado por bem continuar para mais do que o previsto. Lembro-me o quanto fiquei devastado. Mas este exemplo resume o nosso sistema de ensino: ou fazes o que está no programa, ou o que quer que sejas bom ou tenhas interesse, só tem espaço lá fora. Nada. Mais.

Mas claro que o artigo nos esmiuça posteriormente o que quer dizer com a maturidade tardia. Porque sim, os nossos jovens de hoje nada têm a ver com os de antigamente (e assim sucessivamente). Mas sabem mesmo quais são os culpados disto?

Sim, são os culpados do costume

Para Maria do Rosário Pedreira, há um “culpado” óbvio. “A televisão de grande qualidade em ‘streaming’ tem retirado leitores à ficção literária. As grandes séries deram-lhes ficção sem o trabalho da leitura”, concretiza.

A influência crescente do audiovisual é um dos fatores que, para o escritor e editor Francisco José Viegas, mais contribuiu para que chegássemos à presente situação. “A necessidade de ficção foi desviada para outros meios, como as séries de ficção ou a vida irreal da Internet”, assinala o diretor editorial da Quetzal, que admite receber “menos qualidade” nas propostas dos jovens. 

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Esperem lá: que o nosso sistema de ensino e, consequentemente, a vida em casa seja pautada por grandes desafios, estes editores estão mesmo a culpar o conteúdo audiovisual? Deixem-me dizer-vos uma coisa: da mesma forma que todos os escritores recomendam a aspirantes a autores ler muito, o mesmo continua a ser válido atualmente. Querem escrever bem e estimular as vossas capacidades cognitivas? Leiam muito. Todavia, quando o mundo é constante em ideias que se procuram diariamente reinventar, culpar esses produtos de ficção e que nascem de mãos de argumentistas – que são escritores -, devemos ignorar? Não deveria ser todo um ecossistema no qual cada um desempenha um papel na formação e maturação do processo cognitivo do autor?

Eu consigo compreender o cerne da questão: os textos que estes editores entrevistados recebem parecem guiões. Mas será que haver uma generalização a todo o santo jovem é o correto? E mais, será que os próprios editores estão relutantes em apostar na literatura moderna e muito influenciada pelo estílo que eles impõem aos leitores pelas suas traduções americanas?

Mas onde estão os escritores?

Os ecrãs e a internet são uma ameaça atual. A falta de empatia, de desenvolver conversa com o outro e interpretar o meio são uma realidade. Mas bem sabemos que esta mesma realidade só tem sido acenutada nestes últimos 6/7 anos. Desta forma, me pergunto: e os escritores que surgiram antes dela? E aqueles jovens que, contra tudo e todos, até gostam de ler? Que têm trabalhado para crescer na escrita independentemente da sua idade cronológica? É isso que me deixa furioso, sabem? É o saber que esses jovens existem. Que eu já fui e também sou um deles. Que quando perguntam onde estão esses jovens, a minha resposta é simples:

  • Estão a tentar compreender um mercado editorial complexo.
  • Estão a dar-se conta de como pequenas editoras não conseguem acompanhar as que detêm um monopólio e, por isso mesmo, entrar nas redes livreiras é dificultado.
  • Estão a perceber como existem “pseudo-editoras” que fazem promessas que, na maioria dos casos, são impossíveis de cumprir.
  • Estão a sofrer por receber recusas aos seus manuscritos sem uma resposta simples a explicar o porquê.
  • Estão a compreender que as editoras cá parecem não trabalhar o texto com o autor para o elevar (quer seja na reestruturação da história, reescrita ou o apagar de alguns conteúdos).
  • Estão a querer ter as mesmas oportunidades mas a credebilidade que a sociedade lhes dá, por serem novos, é nula.
  • Estão a sentirem-se incompreendidos e de que, mesmo que até tenham tudo para se tornarem grandes autores no futuro, desistir no momento pode ser o melhor.

E isto, é triste! Mas claro que não são só estes editores e as suas calúnias generalizadas que me fizeram remoer as entranhas. Foi por o artigo também saber abordar como as editoras têm a sua culpa por não apostarem em jovens portugueses. Quer em oportunidades, quer em marketing.

E o futuro?

Pelo artigo, ficamos a saber como todos os mercados têm perdido leitores. O mundo caótido dos dias de hoje, com a busca do entretenimento imediato, prejudica isso. Mas será que não está na hora de, com a educação, se promover algo a sério? De estimular os jovens com a leitura dando-lhes liberdade?

Este artigo deixou-me doente por dias. Sei que vos disse que foi por menos tempo, mas ignorá-lo era impossível. Custa-me, profundamente, perceber como jornalistas passam ao lado de uma realidade que preferem ignorar. Tenho lido muito novo autor bom, e a um nível que merece ter todo o destaque do mercado. Mas existe disponibilidade para isso? Não. Infelizmente, não.

6 thoughts on “Não há novos autores portugueses?

  1. Os autores começam a escassear por culpa do mercado editorial onde reinam as editoras Vanity Press que se aproveitam dos autores do seu trabalho e que cobram valores astronómicos pela publicação. São elas que têm culpa de os autores serem cada vez menos, porque desistem de escrever. O mercado é tão competitivo e as livrarias apenas querem os autores que vendem muito, levando os jovens autores a desistirem, vencidos pelo cansaço. É preciso alertar os autores para não pagarem para publicar, é um erro, porque ficam na mão da editora que muitas vezes nem sequer trabalha.

    As escolas deviam potenciar mais o contacto com autores, essa experiência é uma mais-valia, não chega falar apenas dos que já partiram e conhecer a sua obra é uma das coisas que critico na minha cidade, o facto de haver poucas apresentações com grandes escritores. Esteve c´o Pedro Chagas Freitas em 2014 e até hoje mais nada. É uma realidade triste.

    Beijinhos e boa semana!

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    1. Uma grande verdade, Ana.

      Mesmo assim acho que os autores têm de começar a ganhar consciência e a pensar talvez em gastar dinheiro no marketing nas redes sociais. Nos dias de hoje conta muito, infelizmente.

      É triste dares esse exemplo das apresentações. Os municípios deveriam de aproveitar mais e procurar ativamente.

      Beijinhos e boa semana

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      1. É triste ter que ir buscar cultura a outras cidades. Dá que pensar porque é que o José Luís Peixoto nunca veio apresentar livros em cidades de Trás-os-Montes. Chaves, Bragança, Vila Real etc. Chega a Braga e dali para cima parece que não existe nada.

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      2. Isso acaba por ser grande culpa dos municípios e a forma como fazem essa gestão. Aliado a algumas editoras e autores que não se querem envolver ou tentar, pelo menos, entrar em contacto.

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