O bloqueio de escritor, ou bloqueio criativo, é das expressões mais ouvidas na literatura. Não é à-toa que cada autor, em cada entrevista, seja questionado a esse respeito e dê os seus pensamentos sobre a questão. Contudo, ao olhar para o meu próprio percurso, dei-me conta de uma coisa: de que eu bloqueio a cada livro! Mas será que isso é realmente mau? Não, longe disso.
A essência do bloqueio
Podemos pensar no bloqueio como uma inflamação nos tendões que para este movimento que agora exercito: o escrever. Como se os tendões estivessem corroídos por um veneno que destila do meu cérebro, impedindo-me de escrever. Isto parece algo poético, científico. Mas acredito que compreender que este bloqueio é natural pode ser a solução para o mesmo.
Geralmente, na vida, estamos bloqueados, ou sem vontade, quando o cansaço acumula. Não é somente o físico, mas o psicológico. A rotina batida, as mesmas tarefas, os mesmos problemas ou desafios no trabalho. Nada de novo que nos puxe à tona e permita dar umas valentes golfadas de ar. Na escrita, e atendendo à sua solidão, o isolamento pode permitir uma saturação silenciosa e impercetível. De repente, aquilo que nos apaixonava deixa de o fazer, e aquelas ideias brilhantes que tínhamos, deixam de fazer sentido perante a história. O bloqueio começa a instalar-se. Escrever continua a ser possível, mas penoso. A internet começa a ser a nossa aliada. Procuramos o que se passa, como é que se resolve e, mais do que tudo, como podemos nunca mais voltar a passar por isto. Porém, há uma questão que costuma passar ao lado. Uma que, infelizmente, nem sempre o escritor gosta de admitir.
Ouvir o manuscrito
O bloqueio pode partir da nossa vida diária, a rotina. Mas pode muito bem partir daquilo a que estamos a dedicar tanto tempo de processamento cerebral: o nosso manuscrito. A nossa história!
Como vos comecei a dizer, eu tenho bloqueado a cada livro recente. Se fosse há uns anos, saberia que isso me faria entrar em ebulição. Hoje, encaro esse bloqueio como um melhor amigo que quer só o bem da minha história. Mas porquê?
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Quando começo a escrever uma história, tenho a sua estrutura, as suas balizas. Sei onde quero ir, onde não quero ir, onde não posso ir. Começo a escrever, entusiasmado. Vou a descobrir outras coisas pelo crescimento das personagens e pelo fermento invisível que as palavras vão adicionando. Mas esta forma de pensar, de criar, “cria” por si só uma barreira invisível. Esqueco-me que as minhas balizas têm redes que podem ser esticadas, e o bloqueio aparece para me lembrar disso.
Desbloquear o “bloqueável”
Penso que todos sabemos como é fácil a sociedade, a vida corrente, bloquear a nossa imaginação. Pior que a vida externa, o esquecer que nós próprios conseguimos bloquear o nosso processo criativo. Estamos tão envolvidos no que estamos a escrever, que não temos coragem para dar um passo atrás e apreciar todo o trabalho. Isto é, pode ser, extremamente penoso.
Perceber que o rumo que estamos a seguir nos está a causar este bloqueio é dificílimo. É uma estalada que nos obriga a recuar, a perceber que o trabalho que estamos a ter, tem de ser mudado. É isto que considero o bloqueio de escritor, pelo menos o meu. É o constatar que o rumo que estou a seguir não é, afinal, aquele que mais me entusiasma. Aquele mais verdadeiro, com alma.
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Quando estava a escrever o Esquecido passei por algo assim. Estava a rever a minha história e dei-me conta de como apesar de a adorar, não a amava. Não tinha alma. Senti-me bloqueado. Desesperado. Mas rapidamente compreendi que era o rumo que dera à história que não estava a satisfazer-me. O que é que isto fez? Obrigou-me a mudar tudo. A introduzir novas narrativas e a apagar outras. Isto não foi fácil, mas o bloqueio ajudou-me a parar. A assentar as ideias e compreender a génese da questão.
O mesmo se passou com O que nos Magoa. Estava num impasse em perceber como passar para o último ato da narrativa. Não sabia como o fazer. O bloqueio apareceu para me lembrar de que existiam detalhes que eu, inconscientemente, acrescentara no passado e que poderiam ser usados agora. Foi este bloqueio que me permitiu adicionar, no final, uma narrativa secundária mais substancial e verdadeira.
Meu inimigo, meu amigo é
Temos o hábito de olhar para o bloqueio como algo terrível. O erro está aí. O bloqueio é também o nosso cérebro a lembrar-nos que somos humanos. Que se queremos ser verdadeiros, temos de nos abstrair. Não só da nossa atividade e ir descobrir o mundo exterior, como nos abstrair dos nossos limites. De os perceber e, em primeiro lugar, como se quer os criámos e porquê.
Um bloqueio é algo tenebroso, mas não tem de ser nosso inimigo. Não quando o que fazemos é com paixão. Se for este o caso, basta saber reencontrar o nosso amor. O nosso caminho. O amor é cego, é certo, mas sermos orgulhosos pode ter um preço muito mais elevado se não nos ouvirmos a nós próprios…
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