A minha crise literária

No próximo ano, comemorar-se-ão os 10 anos desde que lancei o meu primeiro livro. Embora já não se encontre publicado, ocorreram muitos acontecimentos neste intervalo de tempo. Completei o ensino secundário, ingressei na universidade, descobri as editoras vanity, estive numa editora vanity que confiou em mim sem exigir qualquer compensação monetária, explorei a publicação independente até chegar a uma editora tradicional. Nunca antecipei nada disto, apenas o sonhei. E, hoje, consigo finalmente ponderar sobre tudo isto e entender o motivo de, em setembro, ter enfrentado uma profunda crise literária.

Temos de começar pela transparência

Um autor nem sempre pode ser transparente. Existem contratos para cumprir e obrigações éticas e morais que nos orientam. Contudo, mesmo com todos os meus contratos de edição já terminados, a minha reflexão não se baseia neles, mas sim nos sentimentos acumulados ao longo dos últimos dez anos e na evolução do mundo literário em Portugal.

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Falar de evolução é sempre estimulante, mas preciso começar por contar como, há dez anos, eu não entendia nada do mercado editorial, ao passo que hoje a minha perspetiva é distinta. Se há dez anos via a autopublicação ou o modelo de publicação ‘híbrida’ como algo enigmático, hoje a situação mudou completamente. Não só compreendi tudo o que impulsiona uma editora vanity e a sua possível contribuição para democratizar o mercado, permitindo o surgimento de novidades, como também me apaixonei pela autopublicação, tendo-a experimentado em 2022 com o lançamento do conto ‘Três Dias Até ao Natal’. Isto está em consonância com o que já mencionei anteriormente sobre como não devemos dizer precipitadamente: ‘Eu nunca faria isso!’

Mas então de onde surge a dita crise?

Tenho plena consciência de todas as aprendizagens e falhanços de idealismo que tinha nos primórdios do meu percurso. Mas o maior foi no acreditar no mercado e de dez anos depois, continuar a não ver qualquer transparência. É acordar num dia de semana para dar conta de um “escândalo” (?) porque uma editora dita de tradicional vai publicar muitos portugueses porque, na verdade, é em modelo híbrido. Isto deixou-me abananado porque, e apesar de na altura ter contrato editorial com as Edições Velha Lenda, senti que todo o esforço feito nos últimos anos, incluindo o potenciado por editoras tradicionais mais pequenas, estaria sempre em jogo. Que um autor, seja ele onde estiver, parece continuar a precisar mais do que sorte, trabalho e talento. Precisa de dinheiro.

Para muitos pode parecer estranho, mas penso imenso no futuro e em quem serão os próximos autores. A próxima geração. E, assistido a um denegrir da juventude por conta da minha profissão e do estado social do país, ficar a saber desta prática, que acredito existir noutras editoras, leva-me a pensar que o futuro para todos os autores poderá não ser tão promissor como se julgaria. Isto poderá, eventualmente, levar a uma perder de autores que, simplesmente, desistem. Foi muito isto que senti, que não valia a pena continuar a escrever. A sonhar mais alto A, eventualmente, inspirar.

Estarei a ser demasiado pessimista?

Não acredito que sou pessimista, antes mais um negativista no que toca a esta matéria. Pelo menos, claro, naquele mês de setembro. Se existe fundamento? Bem, para além do que vos escrevi e de todas as promessas que ouvi na última década, fico de pé atrás com tudo isto e de que forma outros autores poderão sofrer. Porque, reparem, para mim é o que realmente importa, sabem? O sonho e a sua manutenção. A sua felicidade que deveria crescer de forma exponencial ou contínua. Onde, apesar dos “baixos”, encontra altos uniformes e justos.

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Se compreendo tudo isto? Sim. As editoras são negócios. Um livro é um produto. São diversos os profissionais a trabalhar nele e, ao contrário de uma tradução, um autor lusófono obriga a um trabalho de raiz. Os riscos são grandes. O mercado é pequeno e apertado para tanto livro. Dividir os custos torna-se, eventualmente, compreensível. Porém, e tendo lido o relatório do ano passado da Sociedade Europeia de Autores, gostaria de ver mais transparência cá. Mais compromisso com a nossa cultura e que ninguém, mas ninguém, ficasse com o sentimento de injustiça ou incompreensão.

Os meus verdadeiros receios

É por meio de depoimentos que recebo de autores que os meus receios quase que, numa ótica semanal, se validam. Porquê? Bem, ao assumir que o mercado ainda lê maioritariamente traduções (eu próprio incluído durante muitos anos), será que se conseguirá garantir um bom trabalho de marketing ou, independentemente do local de publicação, o autor tem ainda mais responsabilidades?

Não sendo os autores em Portugal capazes de viver desta arte, a pressão para gerar vendas de um milhar de exemplares é ainda mais complexa e pode ter um peso assombroso no mercado que poderá prejudicar todos. Os autores, que procuram formas de combater este estigma de décadas, assim como das editoras que, volto a frisar, interdependente do seu meio de publicação, procuram contrariar essa tendência ao mesmo tempo que fazem malabarismos com as finanças dos seus selos.

No fundo, tudo isto fez-me questionar o papel que um autor ocupa e pode ocupar e, independentemente da qualidade do material e do tipo de oportunidade, espero, honestamente, que tudo corra bem na definição deste papel. É imperativo que este esforço, este desgaste, leve a frutos que consigam, de anos a anos, transformar a indústria ao ponto de um autor português conseguir ser uma aposta cujo risco de publicação é tão igual ao de uma história importada. É tempo de redefinirmos o papel do autor na sociedade portuguesa, lutando por transparência e igualdade no mercado editorial.

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